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O ponto da virada

  • Foto do escritor: Eliane Silva
    Eliane Silva
  • 20 de set. de 2022
  • 9 min de leitura

Atualizado: 17 de out. de 2022

Como pequenas coisas podem fazer uma grande diferença





As epidemias

Em algum momento entre 1994 e 1995 surgiu a epidemia Hush Puppies. Ninguém entendeu o porquê. A marca de sapatos de camurça com sola de crepe estava quase morta, vendendo apenas alguns milhares de pares por ano, a sua maior parte nas lojas de zonas rurais e pequenas cidades. Então, súbita e inexplicavelmente, os designers mais chiques de Nova York passaram a incluir a Hush Puppies nas suas coleções. Em 1995, foram vendidos quase meio milhão de pares da Hush Puppies. Foi o trabalho de algumas crianças desconhecidas do Soho e da East Village em Nova York, região que costuma lançar as tendências da moda.

“Ideias, produtos, mensagens e comportamentos se espalham como vírus.”

Na mesma época em que surgia a epidemia da Hush Puppies, as estatísticas de criminalidade da cidade de Nova York passaram a cair drasticamente. New York foi assolada por uma epidemia de ruas seguras. Assaltos, estupros, assassinatos e roubos sumiram tão rapidamente quanto dispararam as vendas da Hush Puppies. Embora pareçam fenômenos alheios, crime, moda e epidemias têm estas coisas em comum: o contágio, a velocidade e o fato de que as pequenas coisas causam grandes efeitos.

“Mas podemos dizer com certeza que a informação transmitida desse modo continua sendo – mesmo nesta era da comunicação de massa e das campanhas publicitárias multimilionárias – a forma mais importante de comunicação humana.”

As epidemias crescem em uma progressão geométrica. As epidemias não começam grandes. Elas começam de forma acanhada e vão tomando corpo. Grandes coisas nascem de pequenos eventos. Alguns atos sexuais e algumas agulhas na veia são o suficiente para disparar uma epidemia de Aids. Por começarem timidamente, é fácil ignorá-las no princípio, até que atinjam o Ponto da Virada, ou seja, aquele momento em que a epidemia ganha força. No Ponto da Virada, a mudança radical é mais do que uma possibilidade: é uma certeza.

“Pulverizado entre todas as camadas sociais, existe um pequeno número de pessoas com um talento extraordinário para fazer amigos e conhecidos.”

Diante desse fato, somos confrontados com a seguinte questão: Como as epidemias se transformam em Pontos da Virada? Todas as epidemias nascem em função de pessoas, coisas e lugares. As pessoas influentes são as que transmitem a infecção. Elas são o agente infeccioso. Já o lugar influente é o ambiente no qual o agente infeccioso opera. Assim, podemos nos referir a três regras que regem as epidemias: a Regra dos Eleitos, o Fator de Fixação e o Poder do Contexto.


A Regra dos Eleitos

As epidemias são normalmente atribuídas às ações de alguns portadores de HIV que infectam um grande número de pessoas. Em Saint Louis, em meados da década de 1990, um sujeito sedutor chamado Darnell “Boss Man” McGee dormiu com pelo menos 100 mulheres e infectou pelo menos 30 delas com o HIV antes de ser baleado por um assaltante desconhecido. Em Buffalo, Nushawn Williams infectou pelo menos 16 namoradas com AIDS. Há ainda o caso da aeromoça canadense que afirmava ter 2.500 parceiros sexuais em toda a América do Norte e estava ligada a pelo menos quarenta dos primeiros casos de AIDS.

“O nome que se dá a esse momento decisivo numa epidemia, quando tudo pode mudar de repente, é Ponto da Virada.”

As epidemias sociais também são espalhadas por um punhado de indivíduos fora do comum. Existem três tipos de pessoas responsáveis pelas epidemias sociais: os Comunicadores, os Experts e os Vendedores.

Em uma famosa experiência realizada na década de 1960, o psicólogo Stanley Milgram enviou pelo correio a 160 pessoas no Nebraska um pacote para ser entregue a um corretor de ações em Massachusetts. Em média, cada pacote passou pelas mãos de seis pessoas antes de ser recebido pelo corretor (daí o conceito dos “seis estágios de separação”), contudo 16 pacotes lhe foram entregues pelo mesmo indivíduo, um Comunicador extraordinário. Os Comunicadores têm um dom fora do comum de fazer amigos e conhecidos em muitos contextos, subculturas e nichos diferentes.

“Essas três características – a possibilidade de contágio, o fato de que pequenas causas podem ter grandes efeitos e de que a mudança acontece não gradualmente, mas num momento decisivo – são os mesmos três princípios que explicam como o sarampo se dissemina numa sala de aula e como a gripe aparece todo inverno.”

Os Experts são especialistas confiáveis que gostam de compartilhar informações e ajudar as pessoas, mas eles não são muito bons em presuadir. Os Comunicadores e os Experts podem ajudar a espalhar epidemias sociais, mas eles não conseguem fazer o trabalho sozinhos; eles necessitam dos Vendedores. Os verdadeiros Vendedores têm um talento extraordinário para convencer as pessoas. A linguagem corporal sutil dos Vendedores “infecta” as pessoas ao nível emocional.


O Fator de Fixação

A Fixação é o que faz com que uma mensagem seja lembrada. O pessoal de marketing direto é especialista em fixação, mas os programadores dos canais infantis não ficam atrás. Os criadores da Vila Sésamo testaram os primeiros episódios com focus groups de crianças. Um psicólogo fazia anotações quando crianças se concentravam e quando se desinteressavam. Essa pesquisa levou à criação dos Muppets em tamanho natural. Eis a lição a ser tirada da Vila Sésamo: os que dão a devida atenção ao formato conseguem tornar as suas mensagens mais sedutoras.

“O Fator de Fixação diz que há maneiras específicas de fazer com que uma mensagem contagiante se torne inesquecível – existem alterações relativamente simples na apresentação e na estruturação das informações que causam uma grande diferença na intensidade de seu impacto.”

Outro programa infantil chamado Pistas de Blue trabalhou a sua fixação com base na participação do público e da repetição. Ao invés de um novo episódio diário, o mesmo episódio era passado durante uma semana. Há uma forma simples de empacotar as informações para que se tornem irresistíveis, sob as circunstâncias corretas.


O Poder do Contexto

As epidemias são sensíveis à situação e às circunstâncias. A sífilis se propaga mais no verão do que no inverno. A mania da Hush Puppies começou em Nova York no East Village, onde as pessoas estão mais atentas à moda.

“O Ponto da Virada é o momento de massa crítica, o limiar, o ponto de ebulição.”

Veja só a teoria das janelas quebradas de combate ao crime. Esta teoria afirma que uma janela quebrada sem ser consertada envia uma mensagem de que ninguém se importa. Logo outras janelas vão ser quebradas e, eventualmente, o crime e a anarquia acabam se espalhando pela vizinhança como uma doença contagiosa. Vale ressaltar que o Ponto da Virada, neste caso, não é um Comunicador, um Expert ou um Vendedor, mas sim uma característica do meio ambiente: uma simples janela quebrada.

“Temos que nos preparar para a possibilidade de que às vezes grandes mudanças decorrem de pequenos acontecimentos e que, em alguns casos, elas podem se dar muito depressa.”

A cidade de Nova York contratou o coautor da teoria da janela quebrada, o criminologista George Kelling, para ajudar a resolver o problema da criminalidade no sistema de metrô. Ele recomendou que se abordasse o problema das pichações. A maior parte dos especialistas havia aconselhado que se ignorasse as pichações e focasse em crimes maiores; naquela época, em meados dos anos 1980, havia certamente crimes maiores o suficiente. Mas Kelling convenceu David Gunn um dos diretores do metrô. Gunn elaborou um calendário para a limpeza das pichações e determinou que os carros “sujos” nunca deveriam ser utilizados em um trem com carros “limpos”. A limpeza do sistema levou seis anos, de 1984 a 1990.

“A melhor maneira de compreender o surgimento das tendências da moda, o fluxo e refluxo das ondas de crimes, (...) best-sellers, o aumento do consumo de cigarros por adolescentes, os fenômenos da propaganda boca a boca ou qualquer outra mudança misteriosa que marque o dia-a-dia, é pensar em todas elas como epidemias.”

Com a chegada de um novo diretor, William Bratton, este também discípulo da escola das janelas quebradas, o foco passou a ser em quem entrava nos trens sem pagar. Nessa época a polícia não dava importância a esse crime; a transgressão representava apenas US$ 1,25 por viagem. Porém cerca de 170.000 pessoas andavam de graça diariamente, a lei não estava sendo cumprida e as pessoas que pagavam se sentiam como idiotas. Bratton enviou uma mensagem dura contra os transgressores, inclusive criando estações policiais móveis com aparelhos de fax, telefones e equipamentos de impressão digital. A polícia descobriu que muitos transgressores eram criminosos procurados ou portavam armas, portanto logo mudaram de ideia sobre a importância de combater esse tipo de crime.

“Basta uma ligeira mudança para se desfazer o equilíbrio e desencadear uma epidemia.”

Bratton se tornou eventualmente o chefe do Departamento de Polícia de Nova York. Nessa posição, ele combateu a embriaguez pública, a desordem, vandalismos, urinar na rua e outras ofensas menores, sob o raciocínio de que esses pequenos delitos eram um ponto da virada para os crimes mais violentos.


As pequenas coisas importam muito

Uma mudança relativamente insignificante no contexto social pode transformar pessoas normais, de boas escolas e famílias felizes, em assassinas. A influência dos pares e da comunidade são mais determinantes do que a influência da família na configuração do caráter dos jovens. Estudos das taxas de abandono escolar e dos padrões de delinquência juvenil no ensino médio mostram que é melhor para uma criança viver com uma família problemática em uma boa vizinhança do que com uma boa família em um bairro problemático.

“Em se tratando de epidemias (...) uma porcentagem mínima de pessoas faz a maior parte do trabalho.”

Um dos elementos mais poderosos em qualquer ambiente social é o grupo. Em 1964, o assassinato de Kitty Genovese em uma rua do Queens fez as manchetes. A jovem foi perseguida e atacada três vezes por seu agressor. Os ataques duraram meia hora. Houve 38 testemunhas. Nenhum chamou a polícia. Os comentaristas culparam o anonimato e alienação da vida da cidade grande pelo fato das pessoas se tornarem frias e insensíveis. No entanto, pesquisas posteriores pareciam mostrar que, caso tivesse havido menos testemunhas, alguém poderia muito bem ter chamado a polícia.

“O fato de os Experts quererem ajudar simplesmente porque gostam de fazer isso acaba sendo uma excelente maneira de chamar a atenção dos outros.”

Dois pesquisadores da Columbia University em Nova York investigaram o problema dos espectadores, colocando um membro da equipe em uma sala fingindo um ataque epiléptico que podia ser ouvido na sala ao lado. Quando havia apenas um aluno na sala ao lado, este partia em socorro 85% das vezes. Quando diziam para o aluno que outras quatro pessoas estavam também ouvindo, a taxa de resposta caia para 31%. Da mesma forma, pessoas que estivessem sozinhas e vissem fumaça saindo por debaixo de uma porta davam o alerta 75% das vezes, mas apenas 38% das vezes quando fossem parte de um grupo. A impressão é que os grupos enfraquecem o sentido da responsabilidade individual. Talvez as pessoas assumam que como ninguém mais está agindo, é possível que não haja um problema afinal. Assim, se Kitty Genovese tivesse sido atacada em uma rua solitária, onde apenas uma pessoa ouvisse os seus gritos, hoje ela poderia estar viva.

“Imitamos as emoções dos outros como um meio de expressar apoio e cuidado e, ainda mais simplesmente, como uma forma de nos comunicarmos.”

Outra pesquisa mostra que pessoas que tomam decisões em grupo chegam a conclusões diferentes do que pessoas que tomam decisões de forma independente. O tamanho do grupo influencia a força e a coesão do mesmo. Pequenos grupos, estreitamente ligados são os mais adequados para aumentar o potencial epidêmico de uma mensagem ou ideia. O tamanho máximo para esse grupo parece ser de 150. Curiosamente, este é o tamanho médio das aldeias de caçadores-coletores em todo o mundo, o número máximo de pessoas permitidas em uma comunidade religiosa de huteritas e o tamanho de uma companhia nas organizações militares. Eis uma mensagem para o pessoal de marketing: para criar um movimento contagiante, é preciso criar primeiro vários movimentos pequenos.

Por exemplo, uma enfermeira em San Diego deu início a uma campanha para aumentar a conscientização sobre a diabetes na comunidade negra, contando com a ajuda de esteticistas. Devido ao contexto informal e o fato das esteticistas serem boas Comunicadoras, a conscientização se espalhou como uma epidemia. Uma fabricante conseguiu transformar um tênis próprio dos adeptos do skate em um bestseller, concentrando-se nos Experts adolescentes e em um marketing “contagiante”.


Outros estudos de caso

É interessante notar que suicídios, acidentes de carro e fumo entre adolescentes compartilham alguns elementos de contágio de uma epidemia. Suicídios levam a mais suicídios. Suicídios de celebridades altamente divulgados levam a um aumento na taxa nacional de suicídios; uma maior publicidade sobre os suicídios locais aumenta a taxa de suicídio local. Um aumento na divulgação de suicídios também é seguido por um aumento nos acidentes automobilísticos fatais com apenas uma vítima. Histórias sobre assassinatos seguidos de suicídio parecem levar a um aumento nos acidentes com múltiplas vítimas fatais além do motorista. O tabagismo na adolescência e o uso de drogas, por outro lado, também têm características epidêmicas. Talvez a maneira mais eficaz de combatê-los é concentrando nos Pontos da Virada ao invés de perseguir um ataque direto mais amplo.


Conclusão

As pessoas que queiram iniciar epidemias devem se concentrar apenas nos Comunicadores, Experts e Vendedores que possam potencializar o boca a boca. É um erro tentar esgotar todas as respostas e focar em uma comunicação ampla e indiscriminada. A comunicação não é algo claro e direto – é antes confusa e opaca. As pessoas que conseguem dar início a epidemias sociais bem-sucedidas não agem por intuição, mas testam cuidadosamente as suas hipóteses.



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