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  • Foto do escritorEliane Silva

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Resiliência: como pessoas, sociedades e organizações podem enfrentar mudanças e adaptar-se a elas.


A importância da resiliência


Os sistemas, sejam eles econômicos, ambientais ou sociais, que no passado eram tratados como distintos uns dos outros, hoje têm se tornado cada vez mais interligados e interdependentes. Basta desorganizar um sistema que os reflexos logo vão se espalhando pelos demais. O que faz com que os sistemas complexos ajam desta maneira e o que pode ser feito para que funcionem de forma mais segura? A solução não é obter mais informações. As pessoas já têm enorme dificuldade em extrair informações do verdadeiro ataque de dados aos quais são submetidas todos os dias. Previsões mais precisas sobre quando possam ocorrer novos eventos cataclísmicos não levam necessariamente a um maior controle. Antes, a sociedade deve tornar os seus sistemas mais adaptáveis e responsivos. Isso requer uma boa compreensão sobre o campo emergente da resiliência.

“Desde os tempos de Darwin os cientistas deparavam com um dilema aparentemente simples mas impenetrável: se os seres vivos evoluíram por meio da competição, como é que a cooperação sempre acaba emergindo?”

Por que alguns sistemas falham enquanto outros se recuperam de eventos similares? Quais são as características que tornam os sistemas vulneráveis a perturbações e quais traços promovem a resiliência? Não é fácil responder a estas perguntas, nem tampouco fazê-las com clareza. Setores diferentes definem a resiliência de maneiras diferentes, mas todos eles reconhecem que a resiliência exige a “continuidade e a capacidade de recuperação face à mudança”, em especial às alterações impostas a partir de uma fonte externa. Os sistemas resilientes utilizam “mecanismos rigorosos de feedback” que antecipam mudanças iminentes.


Características dos sistemas complexos


Os sistemas complexos são “robustos, mas frágeis”, o que significa que eles são resistentes quando se deparam com “perigos previsíveis”, porém podem se mostrar fragilizados diante das “ameaças imprevistas”. Por exemplo, um agricultor pode plantar árvores afastadas umas das outras em um lote de terra para evitar o risco; se uma árvore pegar fogo, as chamas não se espalham. Apesar de robusto, este sistema é ineficiente, uma vez que reduz o rendimento do agricultor. Caso a plantação seja mais densa, a fazenda se torna mais eficiente, porém mais suscetível ao risco de incêndios e, portanto, mais frágil. O agricultor pode construir uma rede de estradas para limitar a propagação dos incêndios, o que não elimina a ameaça inesperada de uma praga de besouros. Os besouros podem até mesmo tirar vantagem destas estradas, criadas pelo arboricultor como um mecanismo de segurança.

“A resiliência depende de se ter exatamente a dose certa dessas propriedades – estar conectado, mas não conectado demais; ser diversificado, mas não diversificado demais; ser capaz de se acoplar a outros sistemas quando for útil, mas também ser capaz de se separar deles quando doer.”

A Internet é um sistema similar: ela executa bem o seu propósito original; ou seja, permite que as comunicações sejam distribuídas, evitando que um ataque militar em certa localização afete outra região. No entanto, a abertura da sua rede a torna vulnerável a ataques internos. Elaborar demais um aspecto de um sistema pode forçar todo o sistema a um ponto crítico onde as características antes positivas se enfraqueçam e causem um colapso sistêmico.

“Se não podemos comandar as volúveis ondas de mudança, podemos aprender a construir barcos melhores.”

A resiliência pode ser encontrada nos sistemas positivos, tais como o sistema imunitário e nos negativos, tais como as redes terroristas. Estes sistemas utilizam táticas de “percepção e escalabilidade” para aumentarem a sua capacidade de resistência. Estes padrões permitem que as redes reúnam e transmitam informações sob novas formas, permitindo-lhes responder às ameaças e oportunidades. Por exemplo, quando os terroristas não estão envolvidos ativamente em uma iniciativa de terrorismo, eles se inserem nas suas comunidades, partilham valores, práticas e interações e permanecem invisíveis ali. Os membros dessas redes monitoram a vizinhança e escolhem o momento certo de agir, seja para atacar os adversários ou recrutar novos membros. Na hora de agir, ao invés de se envolverem em longas campanhas, eles se agrupam em enxames para atingir metas específicas e depois desaparecem. A Guerra ao Terror é o primeiro conflito em que os Estados estão em guerra contra as redes. Os militares norte-americanos precisaram adaptar as suas táticas, organizar-se em “nós” e permitir que as equipes escolham a hora de responder ao invés de esperarem pela direção de um sistema hierárquico.

“Das economias aos ecossistemas, praticamente todos os sistemas resilientes adotam rigorosos mecanismos de feedback para detectar a proximidade de alguma mudança brusca ou limiar crítico.”

Os sistemas funcionam como uma “rede de elementos descentralizados autocoordenados” e organizados em “agregados”. Os agregados são formados, por exemplo, quando os inovadores do setor da alta tecnologia se deslocam para o Vale do Silício para estarem com pessoas com os mesmos interesses, ou quando a população rural se desloca para as cidades. As cidades são eficientes. Os novos pensamentos, comportamentos, formatos artísticos e estilos disseminam-se mais rapidamente nas cidades do que nas áreas rurais. O aumento da densidade nas cidades, tanto das pessoas como dos agregados com interesses comuns, afeta os sistemas resilientes. O agrupamento de pessoas nas cidades acaba afetando alguns fatores sociais significativos. Por exemplo, verifica-se um aumento na renda, criminalidade, diversidade, inovação e velocidade com que as pessoas mudam as suas afiliações. Quando há a associação de uma grande variedade de pessoas, os sistemas tornam-se mais resilientes.

“Os líderes translacionais não dispensam hierarquias; pelo contrário, reconhecem e respeitam seu poder.”

Para interagirem construtivamente, as pessoas devem compartilhar confiança e cooperação. Estas qualidades são um mistério evolutivo: se a concorrência impulsiona a evolução, onde se encaixa ali a cooperação e como ela se desenvolveu? Os estudiosos procuram responder a essas perguntas com base em áreas tão diversas como a biologia e a teoria dos jogos. Estudos relacionados aos hormônios humanos indicam que a presença de ocitocina torna as pessoas bioquimicamente predispostas a cooperar com estranhos e confiar neles. Os pesquisadores utilizam o Dilema do Prisioneiro, um cenário básico da teoria dos jogos, para testar como ações individuais moldam a cooperação. Imagine que você seja uma de duas pessoas presas por um crime. Uma vez preso, você não pode se comunicar com o seu cúmplice. Se ambos ficarem em silêncio durante os interrogatórios, a sentença dos dois é de seis meses. Se você confessar e o outro permanecer em silêncio, você é libertado e o seu amigo recebe uma pena de 10 anos e vice-versa. Se ambos falarem, os dois recebem sentenças de cinco anos. O que você faria?

“Culturas resilientes baseiam-se na diversidade e na diferença e toleram a dissidência ocasional.”

O pesquisador Robert Axelrod percebeu que as pessoas utilizam estratégias diferentes, dependendo da sua história com outros jogadores e dos seus vieses cognitivos. As pessoas são mais propensas a confiarem no seu “grupo interno” e traírem aqueles que consideram parte de um “grupo externo”. Para lidar com a confiança em uma sociedade ou economia, você precisa encontrar uma maneira de mostrar às pessoas que elas fazem de um grupo maior, ou seja, que elas precisam “ampliar a sua tribo”.


A mente resiliente


Os indivíduos podem se tornar resilientes. As pessoas conseguem agir de diferentes formas para aumentarem a sua capacidade de recuperação após um trauma. Para descobrir até que ponto os indivíduos podem tornar-se resilientes, converse com pessoas que sofreram um trauma grave, como os sobreviventes do Holocausto. Em um estudo com adultos que passaram parte das suas infâncias presos no campo de concentração de Auschwitz, os psicólogos descobriram que alguns apresentavam cicatrizes internas enquanto outros apresentaram depressão moderada e alguns desenvolveram personalidades funcionais apesar do seu sofrimento. Essa resiliência é uma resposta bem-sucedida ao risco. Os indivíduos resilientes mostram “resistência”, ou seja, a capacidade de criar um propósito significativo para as suas vidas, a crença de que é possível defini-las como desejar e a noção de que é possível aprender tanto com as experiências positivas como com as negativas.

“A resiliência deve ser continuamente renovada, e o compromisso com ela sempre reiterado. Cada passo em sua direção nos assegura não alguma certeza, porém mais um dia, uma nova chance.”

Uma boa análise de como as pessoas lidam com o risco pode ser muito esclarecedora. Em 1981, John Adams, professor da Universidade de Londres, cunhou o termo “compensação de risco” para explicar como as pessoas lidam com o risco no geral. Se os níveis de risco de uma pessoa diminuem em uma área da sua vida, esta pessoa vai procurar compensar, consciente ou inconscientemente, aumentando o risco em outras áreas. Por exemplo, as pessoas que têm equipamentos de segurança nos seus carros (como freios ABS) dirigem mais rápido e freiam com mais força. As crianças que utilizam capacetes enquanto jogam se arriscam mais do que aquelas sem capacetes. Essa compensação do risco é um ato consistente e generalizado de se assumir riscos de forma reativa. Ela representa a tendência dos sistemas de buscarem o equilíbrio ou a “homeostase do risco”. Na verdade, “todos os indivíduos se acostumam com algum nível – ou temperatura – de risco aceitável”.

“À medida que expandimos a diversidade de nossas conexões sociais, a largura de banda que podemos reservar para cada uma dessas conexões vai se tornando mais limitada, e as informações que nos chegam através dela vão se enfraquecendo e estreitando.”

A resiliência pessoal está associada a características como otimismo e confiança. Traços como o “controle do ego”, um mecanismo que ajuda a “adiar a gratificação” em prol de objetivos futuros, são “oriundos de sistemas de crenças” que permitem avaliar a situação e moderar as emoções. Alguns psicólogos acreditam que a fé religiosa contribui para a resiliência e a resistência. É mais fácil se recuperar das adversidades caso você pertença a comunidades que contam com redes sólidas de apoio social. Além disso, quem sabe controlar as emoções consegue reduzir o estresse e reagir melhor a um trauma. Muitos encontram na meditação uma forma de lidar com as suas atividades mentais com desapego e compaixão.


O líder translacional


Uma liderança correta é essencial para o desenvolvimento de sistemas sociais e organizações resilientes. Esses líderes não comandam a partir do topo, como os CEOs ou presidentes. Também não lideram a partir da base. Na verdade eles utilizam a liderança “de dentro para fora” para interagirem com todos os níveis hierárquicos. Esses líderes translacionais se conectam com uma variedade de grupos de interesse e formam uma ponte entre quem está no poder e aqueles que talvez não sejam ouvidos. Os líderes translacionais estão incorporados em um sistema e se mantêm sempre bem informados sobre o seu funcionamento.

“Instigar mudanças de comportamento em grande escala (...) é uma tarefa complexa e multifacetada, afetada por uma série de normas culturais, tabus, incentivos e costumes.”

O trabalho de Noah Idechong em Palau, uma nação insular do Pacífico, é um bom exemplo. Várias potências imperiais se apossaram de Palau ao longo dos séculos, porém os habitantes da ilha sempre preferiram continuar esquecidos no meio do nada. Os pescadores conheciam os recifes e as correntes da sua ecologia regional e as suas práticas de pesca tradicionais impediam a sobrepesca. Quando os de fora introduziram fatores tecnológicos e econômicos externos, como a economia de mercado e barcos mecanizados que favoreciam a sobrepesca, eles acabaram desequilibrando o sistema. A institucionalização política da ilha, segundo o sistema jurídico moderno anulou a autoridade tradicional, levando os anciãos locais, os quais conhecem intimamente os sistemas da sua região, a acreditarem que ninguém mais os ouvia e que o sistema estava se deteriorando. Idechong, um nativo de Palau formado no Havaí, abriu um diálogo entre as partes, realizando reuniões entre os pescadores tradicionais e cientistas ambientais e criando leis de acordo com as atividades tradicionais de conservação.


Comunidades que reagem


As agências criadas para ajudar os moradores a superarem os problemas das comunidades problemáticas devem desenvolver um profundo conhecimento local. Em seguida elas devem atualizar, reavaliar e recontextualizar continuamente o que aprenderam. Veja as atividades da CeaseFire, um programa de “prevenção da violência” de Chicago liderado por Gary Slutkin, que já havia trabalhado com a Organização Mundial de Saúde na África. Com base na sua experiência, ele aplicou modelos de saúde pública na prevenção da violência. O CeaseFire procura interromper o contágio da violência como se fosse uma doença, contando com o envolvimento da comunidade para que abordem diretamente os indivíduos em risco.

“Todas as civilizações enfrentam suas fragilidades.”

O argumento de Slutkin é que o “Mito de Tudo” acaba muitas vezes bloqueando as boas soluções. Este mito sustenta que para enfrentar uma infecção é necessário melhorar todos os aspectos da vida do paciente e dos seus cuidados. Por exemplo, para combater a malária, “é preciso melhorar toda a água, saneamento, nutrição”, entre outros fatores. Nas comunidades dominadas pelo crime, isso significaria abordar “a educação, a pobreza, o cuidado dos pais”, entre outros. Com a CeaseFire, Slutkin rejeitou o Mito de Tudo e focou em uma intervenção que mudasse os comportamentos. Depois de cinco anos de extensa pesquisa, Slutkin e sua equipe resumiram o seu programa em alguns passos simples. Tirando lições de projetos de prevenção de doenças, a CeaseFire mantém “um bom mapa social” das relações inconstantes entre as pessoas. Ele rastreia aqueles que são vulneráveis à violência e, portanto, mais propensos a atacar. A organização procura mudar mentalidades, modelando a não-violência, proporcionando espaços sociais, como churrascos e ensinando técnicas e conceitos que ajudem as pessoas a viverem sem violência. A mensagem simples acaba gerando mudanças nas normas e nos comportamentos.


Resiliência na prática


Um equilíbrio entre um conjunto de qualidades produz resiliência. Os sistemas resilientes estão conectados, mas não demais. Eles gostam de diversidade, mas não em excesso. Eles se interligam com outros sistemas quando isso os beneficia, mas se “dissociam” quando um dos sistemas está em risco. A resiliência requer “frouxidão estratégica” para que se altere um plano quando necessário. Eles tentam construir estruturas, mas não permitem que estas se tornem armadilhas que impeçam revisões eventuais. A estrutura social que apoia a resiliência é a “adhocracia”, a qual permite montar e refazer as estruturas e alterar as ações das pessoas dentro de um quadro constante de “estabilidade de valores e propósito”.

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